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Histórico sobre a concepção da Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC)

Cenário, metodologia e desdobramentos são destacados em texto sobre a primeira edição do evento

A primeira Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC) surgiu no final de 2018 como uma alternativa para ressaltar e sinalizar à comunidade internacional e à sociedade civil que existem múltiplos interesses e atores engajados nas pautas da mudança climática. A CBMC foi correalizada pelas seguintes organizações: Centro Brasil no Clima, DIEESE, FAS, FGV EAESP, IPAM, ICLEI, Instituto Ethos, Saúde e Alegria, Pacto Global Rede Brasil, WWF, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pernambuco e a Prefeitura de Recife.


No texto que segue, compartilhamos sobre o cenário que induziu a criação do evento, os passos que foram dados e os desdobramentos da ação na COP 25. Para 2020, além das eleições municipais, teremos também a revisão das metas nacionais, as NDCs, que terão suas ambições aumentadas, conforme as expectativas da ONU.


O Brasil desperta importante interesse internacional na temática da adaptação e mitigação às alterações do clima, visto que sua cobertura florestal e correlatos serviços ecossistêmicos são motivadores de diálogos e pesquisas, além de despertarem interesses políticos e econômicos. Colocando assim, um país como o Brasil, em condições privilegiadas de adaptação, tendo em vista a grande capacidade de sequestro de carbono que o manejo das áreas florestais tem a oferecer.


O Brasil e a COP

Na Convenção do Clima (UNFCCC), o Brasil atuou como importante protagonista para a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), bem como para a criação de outros mecanismos flexíveis e para o conceito de responsabilidades históricas. Mesmo sob o status de país não-Anexo I dentro da Convenção, e desobrigado de reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE), o Brasil apresentou em Copenhague, na COP 15, um compromisso nacional voluntário tendo como base a redução do desmatamento e maior uso de energias renováveis, incorporado à Lei 12.187 que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Brasil, 2009). A política formalizou e institucionalizou metas de redução e o entendimento da correlação direta entre desenvolvimento econômico e proteção do clima, medidas de adaptação e a elaboração de planos setoriais integrados de adaptação e mitigação. A política foi regulamentada em 2010 através do Decreto 7.390.


O Brasil também desenvolveu outros esforços como a criação, por Decreto Presidencial em 2009, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), presidido pelo presidente

da República, com seus diferentes grupos de trabalho para discussões temáticas nacionais, conscientização, mobilização e interlocução do governo com a sociedade civil para a discussão e a tomada de posição referente à mudança climática.


Em maio de 2016, o governo federal lançou oficialmente o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), baseado na expectativa de orientar iniciativas para a gestão e redução de riscos dos múltiplos efeitos das mudanças climáticas em médio e longo prazo, nas dimensões social, econômica e ambiental. Esse importante instrumento alçou o Brasil ao protagonismo ao lado de nações que internalizaram a adaptação em suas políticas, tal como o Reino Unido, a União Europeia e os EUA de então. O Plano, sobretudo, passou a estimular os estados e municípios para a necessidade de investir esforços e recursos em adaptação, mitigação e resiliência.


Desde então a abordagem, os avanços teóricos e as induções sobre a temática fortaleceram processos e iniciativas de mitigação a adaptação. Ainda assim, este é um importante campo para a ampliação do diálogo, da investigação científica, da tecnologia e de implementação de novas estratégias para se avançar apropriadamente nos meios de reduzir vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais, iniquidades na distribuição de recursos e acessos, e suporte às populações e aos ecossistemas. Configura-se assim, um grande desafio para as políticas públicas, infraestrutura, logística, financiamento, conservação e reflorestamento, serviços, uso sustentável de ativos ambientais e tecnologias no país.


Em 2018 a presidência do Grupo de Países Latino-Americanos e Caribenhos (GRULAC), comunicou ao secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima a candidatura do Brasil a sede da 25ª Sessão da Conferência das Partes da UNFCCC (COP 25). Na ocasião o Ministério das Relações Exteriores, declarou que a realização da COP 25 no Brasil, confirmava “o papel de liderança mundial do país em temas de desenvolvimento sustentável” e “ o consenso da sociedade brasileira sobre a importância e a urgência de ações que contribuam no combate à mudança do clima”.


No mesmo ano, o governo comunicou oficialmente a retirada de sua candidatura para sediar a COP 25 sob a justificativa de “restrições fiscais e orçamentárias” no contexto da então recém-eleita administração. Portanto, a candidatura anunciada em Bonn, na Alemanha, ainda em 2017, além de dar prosseguimento à prática da rotação das sedes das COPs nas regiões do globo, enfatizaria o protagonismo internacional do Brasil na redução da emissão de gases de efeito estufa e combate ao desmatamento ilegal. Seria também a primeira COP no país. Além da ênfase em relação à afirmação de seu protagonismo e liderança, a retirada implica em possíveis reduções de oportunidades de negócios, investimentos e geração de empregos.


Crise Climática e o Brasil

Em 2018 ambientalistas já demostravam preocupação com os posicionamentos do presidente eleito sobre desmatamento nos biomas brasileiros e a atuação do futuro governo diante da crise climática global. As preocupações foram confirmadas na possibilidade de fusão do Ministério do Meio Ambiente com o Ministério da Agricultura, o que, após uma repercussão altamente negativa, não se confirmou.


Já em 2019 o vaivém acerca da fusão do Ministério do Meio Ambiente e da Agricultura e da saída do Acordo de Paris, levantou além de muitas objeções, dúvidas acerca das flexibilizações em torno da exploração predatória das áreas de floresta no país, de afrouxamento nos licenciamentos e fiscalizações, de morosidade ou redução de processos de demarcação, dos esforços para barrar a violência no campo, e na contenção do desmatamento. Além de mobilizar um imaginário de Brasil, a Amazônia e outros biomas brasileiros confirmam-se como espaços de importante disputa política, violações aos direitos humanos, violência agrária e corrupção.


Ao longo de 2019 os retrocessos previstos se confirmaram. Mais que isso, foi um ano recorde em desastres ambientais: no início do ano ocorreu o desastre em Brumadinho envolvendo a empresa Vale, os índices de desmatamento e queimadas explodiram durante o ano e ainda ocorreu o derramamento de óleo na costa do Nordeste.


Após a nomeação de Ricardo Salles como Ministro do Meio Ambiente, a agenda ambiental brasileira vem sofrendo uma série de entraves sob sua liderança. O Ministério do Meio Ambiente teve sua capacidade de atuação e orçamentos extremamente reduzidos, o que impactou diversos programas e ações essenciais incluindo o combate ao desmatamento e queimadas.


Não à toa, conforme o próprio INPE indicou, 2019 já apresentava registros alarmantes de queimadas e desmatamento. Ao invés de acolher tais alertas, o governo federal, questionou a veracidade dos dados, o que culminou na demissão de Ricardo Galvão, à frente do instituto até agosto de 2019. Em novembro de 2019, os dados publicados pelo próprio INPE, agora com outra liderança, mostraram exatamente o que havia sido alertado em agosto: o desmatamento na Amazônia cresceu 30% entre agosto de 2018 e julho de 2019. A área total desmatada chegou a quase 10 mil km2 nesse período de menos de 1 ano. Importante destacar que esse é o maior aumento desde 2008, quando o PRODES apontou cerca de 12 mil km2 desmatados. O Pará é o estado que mais desmata no Brasil.


Importante mencionar que, pelo que estamos presenciando até o momento, os quase 200 países que ratificaram o Acordo de Paris terão muitas dificuldades de perseguir o limite de 1,5 no aumento da temperatura global. Além disso, os EUA iniciaram o processo de saída do Acordo de Paris, após anunciar em 2016 que iriam sair. A sociedade brasileira e global terá um enorme desafio no próximo ano, com bastante trabalho a ser feito na agenda de enfrentamento à crise climática, diante da emergência que estamos vivenciando.


Expansão e violência

Importante lembrar que, ao longo desses últimos meses, em mais de uma ocasião, as ONGs foram atacadas e acusadas como se estivessem envolvidas em alguns dos desastres ambientais ocorridos, mencionados acima. A participação da sociedade civil na agenda ambiental vem sendo extremamente reduzida e as ONGs tem sido constantemente alvo de acusações vazias e sem evidências.


Além dos números alarmantes com relação às queimadas e desmatamento, são também chocantes as mortes de lideranças indígenas. Foi registrado o maior número em pelo menos 11 anos, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. Ao todo em 2019 foram assassinadas 7 lideranças indígenas. Tais assassinatos são resultado de uma violência legitimada institucionalmente atenuando conflitos do campo.


Além desse tipo de violência, no mês de novembro, a ONG Saúde e Alegria e quatro brigadistas que atuavam em Alter do Chão, no Pará, foram indevidamente acusados de estarem envolvidos nas queimadas da região. Um desfavor, pois pelo contrário, ambos, estavam envolvidos com atividades na área da saúde e na contenção das queimadas, preenchendo uma lacuna dos próprios governos naquela região.


Infelizmente, as perspectivas para 2020 na agenda ambiental não são positivas, o que reforça a necessidade de ações coletivas fortalecidas e enfáticas quanto aos retrocessos que possivelmente irão se intensificar nesse segundo ano de governo Bolsonaro.


A relevância da CBMC

A Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC) é um encontro anual nacional articulado por organizações não governamentais, movimentos sociais, governos, academia e comunidade científica e pelo setor privado brasileiro, de característica apartidária, que tem como objetivo dialogar sobre a formulação de propostas para a implementação da NDC brasileira, para demonstração da firme posição brasileira em torno do Acordo de Paris e para promoção de atividades econômicas e políticas públicas que priorizem as agendas de clima, floresta e desenvolvimento sustentável.


A iniciativa consiste em sessões de trabalho, workshops, reuniões de diálogo, reunião de grupos de trabalho, exposição de negócios comunitários sustentáveis e assembleias de proposição/recomendação e deliberação. Também se confirma como uma oportunidade para:

a) Promover a articulação multissetorial para a organização e participação no encontro anual;

b) Demonstrar e reiterar à comunidade internacional e à UNFCCC o protagonismo e a firme posição multissetorial brasileira em relação à agenda de clima e floresta;

c) Promover maior divulgação sobre iniciativas, políticas e a experiência brasileira;

d) Formulação de propostas para implementação da NDC brasileira e/ou que sirvam como alternativas para aumentar as metas brasileiras.

e) Fortalecimento de compromissos empresarias em relação à agenda de clima e floresta;

f) Promover maior atuação e alinhamento entre governos nos seus vários níveis;

g) Demonstrar à UNFCCC um novo ambiente de diálogo, de parcerias e de influência em prol da experiência e metas brasileiras;

h) Produzir e endereçar uma carta à UNFCCC e ao governo brasileiro;

i) Propor e produzir um side event na programação da COP 25;


Com a intenção de ser um evento inclusivo buscando a participação de organizações não governamentais, movimentos sociais e povos tradicionais, lideranças empresariais, participantes do Fórum Clima e signatárias, representações setoriais, governos e agências nacionais, especialistas, pesquisadores e professores universitários, fundações e representações diplomáticas estrangeiras para uma atuação ativa, interventiva e reflexiva em todas as sessões da programação.


Construção do conteúdo e Declaração do Recife

A ideia da CBMC, como dito acima, nasce da desistência do Brasil de sediar a COP 25 e consequentemente da vontade de outros setores da sociedade demonstrarem seu comprometimento para com a pauta climática. Sendo assim, foram consultadas em princípio instituições da sociedade civil para entender se de fato a conferência seria um esforço interessante a ponto de trazer diversos atores para a discussão e engajar demais âmbitos sociais.


Em seguida foram contatadas as secretarias estudais de meio ambiente e municípios que estivessem dispostos a participar da construção de conteúdo e, conjuntamente com empresas, foram agendadas reuniões mensais para pensarmos possibilidades de metodologias e de execução.


Assim, foram criados grupos de trabalho (dezesseis no total) com diferentes temáticas para contemplar maior diversidade de pontos de vista sobre a questão climática e, consequentemente, ampliarmos o escopo da atuação da conferência. Os dezesseis GTs foram os seguintes:

· Florestas e mudança do uso da terra

· Adaptação e meios de implementação

· Agricultura e pecuária

· Transporte e mobilidade

· Cidades e Resíduos

· Energia

· Indústria e tecnologias limpas

· Instrumentos econômicos

· Negócios comunitários sustentáveis

· Direitos humanos

· Recursos hídricos

· Educação climática

· Mulheres pelo clima

· Transparência e integridade

· Transversal: Governos

· Trabalho, tecnologia e mudanças climáticas

Os participantes se dividiram entre os grupos de trabalho e a cada mês era proposta uma atividade que estimulasse a produção de conteúdo. Como exemplo, foi criado um template para preenchimento que contava com: o recorte que o grupo resolveu adotar para o GT, perguntas norteadoras que indicassem os questionamentos a serem respondidos ao longo do ano e ao longo do desenvolvimento das atividades, um rápido planejamento para o ano e como era pretendida a realização desta pesquisa. Uma das entregas sugerida aos GTs foi a realização de um webinar que explorasse o recorte assumido e, por último, sugestões de atividades e painéis para o evento. Diversas organizações se envolveram no processo de construção de conteúdo da CBMC. Em todos os meses de 2019 foram realizados encontros para compartilhar os avanços na produção dos GTs e um especialista era convidado para trazer uma diferente perspectiva, um estudo de caso ou aprofundar alguma discussão.


A Declaração do Recife, aparece como o principal resultado deste processo, compilando sugestões de mitigação e adaptação de todos os grupos de trabalho. Foi realizada uma oficina especificamente para a escrita deste documento, justamente para que as diferentes abordagens deste tema tão complexo fossem consideradas. A Declaração tem a intenção de ser um documento propositivo, apresentando propostas possíveis de implementação com o objetivo de manter a NDC brasileira dentro da meta estipulada e, no limite, procurar aumentar a ambição dos diferentes atores brasileiros.


Desta maneira a Declaração do Recife se consolida como a compilação dos esforços de construção do conteúdo da CBMC, apresentando uma metodologia colaborativa, multissetorial e participativa. Para 2020 o grupo de organizações engajadas neste processo deverá decidir qual será a melhor maneira de monitorar o cumprimento das sugestões apresentadas na Declaração do Recife por parte das signatárias, além de estimular o contínuo aumento de ambição por parte, principalmente, dos órgãos governamentais e empresas públicas e privadas.


CBMC na COP 25

Durante a COP 25, realizada em Madri, o Instituto Ethos em colaboração com organizações parceiras esteve presente em três momentos com o objetivo de apresentar os desdobramentos da CBMC e como a Declaração do Recife pode estimular os diversos setores da sociedade na manutenção do Acordo de Paris e da NDCs. Através de metas e sugestões especificas para os segmentos que o documento contempla. Em um segundo momento, é esperado que a Declaração fomente a ampliação de ambição dos signatários.


“Compartilhar a experiência da CBMC na COP foi muito importante porque tivemos participações em momentos diferentes do evento e pudemos aprofundar a importância da construção coletiva que está acontecendo a partir da Conferência, em uma grande coalizão com a participação da sociedade civil, academia, movimentos sociais, povos indígenas e, vale destacar, o parlamento e os governos subnacionais”, avalia o diretor-presidente do Ethos, Caio Magri.


Magri, em outro momento, manifestou a importância da participação da sociedade civil, da academia e das empresas nas negociações da COP, justamente para “garantir a posição do Brasil como país protagonista em adaptação e mitigação das mudanças climáticas”. A CBMC aponta para caminhos possíveis de colaboração e de construção conjunta se colocando, ao mesmo tempo, como um discurso alternativo aos pronunciamentos oficiais do país na ONU.


Um dos temas principais debatidos na COP foi a questão de precificação e estabelecimento de um mercado de carbono, no entanto a discussão não teve conclusões profícuas e esta temática será adiada para a próxima edição. O evento foi marcado pelo enorme descompasso entre as negociações oficiais, negacionistas e pouco ambiciosas, e as evidências científicas que, por sua vez, apontam com maior ênfase para a instabilidade térmica dos sistemas terrestres. Também foi expressiva a participação de jovens e ativistas, muito incentivados pelo movimento Fridays for Future, encabeçado por Greta Thunberg, sendo mais um exemplo da desconexão entre as lideranças e a população presente.


O Brasil, ao longo dos dias, foi ironicamente presenteado por dois prêmios não-oficiais, chamado de “Fóssil do Dia”. O primeiro devido à Medida Provisória sobre a regularização fundiária que autoriza a autonominação de terras sem destinação, mais conhecida pelos ambientalistas como MP da grilagem de terras. E, o segundo, por culpar ONGs pelo envolvimento nas queimadas florestais e anistiar envolvidos no desmatamento.

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